Por Dr. Arthur Quitiliano, médico nefrologista, professor da Universidade Federal do RN e diretor médico no Instituto do Rim
A doença renal crônica (DRC) é um problema de saúde pública mundial com aumento progressivo de sua incidência e prevalência. Sabe-se que 8 a 10% da população mundial tem algum grau de DRC e milhões morrem por ano, prematuramente, por complicações relacionadas à doença e falta de acesso aos sistemas de saúde.
Mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo atualmente fazem diálise ou foram submetidas a transplante renal, mas esse número pode representar apenas 10% das pessoas que realmente necessitam de tratamento. Desse total, a maioria é tratada em apenas cinco países: EUA, Japão, Alemanha, Brasil e Itália, que representam apenas 12% da população mundial. O restante (20%) é tratado em cerca de 100 países em desenvolvimento, que representam mais de 50% da população. Em países como a Índia, Nigéria e o Paquistão, menos de 10% de todos os pacientes que necessitam de diálise
conseguem ter acesso ao tratamento.
No Brasil, o número de pacientes em programa de diálise mais que quintuplicou no período de 1994 a 2016, passando de 24.000 para 122.825 pacientes (figura 1), estando a maioria dos pacientes na região Sudeste (49%), seguida pelas regiões Sul (22%), Nordeste (18%), Centro-Oeste (7%) e Norte (4%). Provavelmente, esse número (122.825) era para ser ainda maior. Levando-se em consideração que as taxas de pacientes em diálise no Brasil e nos EUA (583 x 2067 p.p.m), o número de pacientes em diálise no nosso país deveria ser em torno de 435.470.
O número de pacientes em diálise no Brasil só não é maior devido à taxa de mortalidade anual de 18,2%, com cerca de 22.000 pacientes falecendo por ano. Essa alta mortalidade reflete as altas taxas de internação e a qualidade dos cuidados relacionadosà saúde no Brasil. Vários estudos demonstraram que a taxa de mortalidade é particularmente alta nas primeiras semanas a meses imediatamente após os pacientes iniciarem a hemodiálise. É possível que tal problema seja subestimado pelo Censo Brasileiro de Diálise, visto que os pacientes morrem antes de serem registrados. Essa taxa de mortalidade coincide com dados dos EUA, onde se encontra em torno de 20%.
Figura 1: Total estimado de pacientes em tratamento dialítico no Brasil (Fonte: Censo 2016 da SBN)
O Brasil contava com 747 unidades de diálise em 2016, sendo 70% de natureza privada, 10% pública e 20% filantrópica, as quais tinham uma taxa de ocupação média de 85%, tendo o SUS como fonte financiadora do tratamento em 83% (17% com outros convênios), e 92% dos pacientes estavam fazendo hemodiálise e 8%, diálise peritoneal.
A prevalência de DRC está aumentando dramaticamente e o custo do tratamento dessa epidemia crescente representa uma enorme carga para os sistemas de saúde emtodo o mundo. Mesmo em países de alta renda, o alto custo da diálise de longo prazo para um número cada vez maior de pessoas é um problema. Nos países de baixa renda, o acesso a diversos tratamentos aumentou progressivamente nos últimos anos, mas a TRS permanece inacessível para a maioria dos pacientes. Além disso, a maioria das pessoas em países pobres não tem seguros de saúde que cubram despesas com o tratamento de DRC.
Pelas dimensões continentais do território brasileiro, os pacientes muitas vezes têm que viajar longas distâncias, muitas vezes com as famílias, para receber atendimento especializado. Além disso, a maioria dos pacientes com DRC em estágio final têm complicações no momento de iniciar diálise e necessitam de ingresso de emergência no hospital.
A DRC impõe severa sobrecarga financeira aos seus portadores, especialmente nos países em desenvolvimento. Suas famílias experimentam perda direta de renda e mudanças nos padrões de consumo por causa dos gastos direcionados aos cuidados com a saúde. Aproximadamente 2-3% das despesas com saúde em países pobres é usado para fornecer tratamento para pacientes com DRC terminal, mesmo que estes representem apenas 0,1-0,2% do total da população.
Diabetes e hipertensão arterial sistêmica são as principais causas de DRC na maioria dos países. No Brasil, segundo o Censo de Diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia de 2016, as três principais causas de doença renal são diabetes (30%), hipertensão arterial (34%) e glomerulonefrite crônica – GNC (9%), com valores estáveis nos últimos anos. Chama a atenção que parte dos pacientes que tiveram a etiologia hipertensiva como causa da DRC, na verdade, têm GNC, evoluíram com hipertensão durante o curso da doença e não foi possível estabelecer tal o diagnóstico de nefrite, visto que a maioria dos pacientes não fez biópsia renal.
Em 2016, o número de transplantes de rim realizados no Brasil foi de 5.492, perdendo apenas para os Estados Unidos (17.878), sendo que a maioria foi de doadores falecidos (78,15%). São Paulo foi o Estado que mais realizou transplantes em números absolutos (2.049 transplantes).
Existe uma estimativa de que em torno de 30.000 pacientes (24% dos pacientes em diálise) estão na lista de espera para transplante renal e esse número se manteve estável durante o período de 2013 a 2016. No Brasil, a legislação de transplante só permite a inscrição para transplante de pacientes com taxa de filtração glomerular abaixo de 10mL/minuto em tratamento conservador ou dialítico e abaixo de 20mL/minuto de diabéticos e receptores pediátricos (aqueles com menos de 18 anos). Assim, apenas uma pequena quantidade de pacientes tem o transplante renal como modalidade inicial de diálise. Além disso, não se sabe com exatidão quantos pacientes estão atualmente transplantados e sendo acompanhados em serviços de transplante.
Atualmente, um transplante renal tem a chance de sucesso em 10 anos em torno de 70%.